Monday, August 25, 2008

Tempo de lírios


Me verto em pedras, traços, troças, trecos. Troco-me por uma lata de vick envelhecida pela metade; um ventilador arno sujo e carcomido, já sem botões. Por uma banda de um bando de sapatos velhos, com uma meia suja-fedorenta-nojenta em forma de laço. Um traço, uma taça, uma traça se amontoa na minha roupa amontoada suja-velha-na-moda; sobre minha única cueca igualmente velha-rasgada-de-marca; sobre a minha única mochila vermelha com marcas do tempo. Livros novos-velhos-sujos-amarelados-rasgados por sobre todos os lugares. "Achiiiiiiiiiiiiiii!!!! Não despacha essa porra", ouço ao fundo, vindo de algum lugar, provavelmente de Marte. Pra lá... prá cá.... as fitas coloridas do chapéu por sobre a estante; coloquei ele lá em cima de modo que lhe conferisse uma aparência mais simpática. Não deu. Não dá. Nada fica como eu quero! TV velha, sem botões, sem controle remoto, sem antena, sem fio, sem volume, sem cor, contraste, brilho.... Na cama, uma colcha cor-de-rosa empresta ao caixão uma aparência mais alegre, vivida. 4 blocos de livros desajeitados (dejavu filho-da-puta),desarrumados, embaralhados, desamparados, dessassossegados, solitários. Dostoievski, Freud, Wilde e Nietzche. Ou será Freud, Wilde, Nietzche e Dostoievski.... No canto, uma antena que nada capta; perdida, desamparada, sem rumo. Dois aparelhos de som podem ocupar o mesmo espaço físico e gravitacional (?) seus fios se entrelaçam como se fossem unos. A qualquer momento sinto como se um barulho ecoasse de lá. Não sei exatamente o quê. Outro amontoado de roupas velhas por sobre a cadeira. Uma toalha igualmente velha e já gasta, sem cor, cobre a fealdade do monturo. O cão sarnento vem me fazer uma visita: pula em cima de mim, me morde, me lambe; não sabe o que sente exatamente por mim. Emaranhado caro de cosméticos que prometem me curar da acne formam parece-me que uma cidade com prédios altos e complexos. desodorantes vazios, frascos de perfumes baratos, pentes sem dentes, escovas de dentes gastas fazem poses de belos sobre a pentiadeira sem espelho, quebrado, lembro-me, numa brincadeira de criança. O Kafka também está por lá, certamente fazendo alguma pose exceto de belo. A fotografia de Freud pregado com chiclete big-big sobre a parede; ele me olha com um olhar inquisidor; querendo saber se fiz sexo nas últimas semanas; ou se tenho sonhado com monstros ou perseguições. Não tenho feito sexo e não me lembro dos meus sonhos. Pessoa também está pregado na minha parede, bem embaixo de um ar-condicionado que pifou na semana passada. Tá fazendo frio mesmo.. Um homem solitário (não, não é um auto-retrato (sic)), o tempo passando no morrer e no nascer de uma papoula; os minutos se sucedendo nas formas estranhas das nuvens do céu. Uma foto do Che me faz lembrar o quão eram majestosos os meus dias felizes de sonhador... tempos bons que já passaram... Olho pro travesseiro e vejo sangue escorrendo... tá sangrando-matando-doendo-de-novo. Uma mesa de bar, um espelho velho.... as vezes penso que esse telhado cairá bem em cima de mim...

Não vou mais ficar aqui se não eu surto de vez...

Tuesday, May 06, 2008

Primeiro pulo de segunda e outros trocadilhos que respiram fumaça e cospem esperança.

O primeiro capítulo tinha umas cinco páginas, só. Ainda Bem. Comecei a ler quando subi no ônibus, cheiro de manha misturado com fumaça e um perfume enjoativo que uma cara-de-aeromoça vestia. Não demoraria pra descer na diagonal do prédio em que trabalho, se o motorista colaborasse, mas não acabava a porcaria do capítulo.
Essas situações são angustiantes. Se você corre na leitura, talvez perca alguns detalhes que diferenciam aquele autor de um texto sobre como motivar pessoas e salvar sua empresa. Assim é a literatura, a namorada/amiga/conhecida que cortou o cabelo e ai de você se não reparar.
Mais uma página, quase lá. Menos duas paradas, quase lá. Acabei, que livro legal, acho que não perdi muita coisa. Fechei o primeiro capítulo duas paradas antes da que desceria, me senti um tanto desesperado, que nem quando um carro está longe na rua e você corre, corre como se estivesse gritando em voz fina com o corpo, mas ele não ia bater afinal, bicha.
Puxei a cordinha, não fazia barulho. Quando puxo a cordinha e ela não faz barulho, realmente me desespero, nunca sei quando é um defeito ou alguma estratégia tecnológica pra não abalar a paciência quase sempre muito abalada dos motoristas de ônibus.
Achou que funcionou, ele parou bem antes da parada e abriu a porta. Início da Almirante, longe do primeiro sinal. Na primeira pista, de ida, não passava carro nenhum. Corri. O sinal da pista de lá abriu, uma correnteza de carros e de bicicletas.
Enquanto passavam, pensei nas diversas formas que poderia pular aquela cerquinha da ciclovia. Um mortal pra trás, carpado. Terminar dançando Brasileirinha em plena Almirante. Zombando das high ways da vida e de toda sua brutalidade.
Fechou o sinal, corri, pulei. Porra, meu pai que desequilibra toda vez que levanta do sofá fazia melhor. Ainda tentei levantar a perna enquanto caia, não sei pra quê, quem eu queria enganar
Segunda-feira. 8h10. Vai ter feriado no final da semana, viagens, aventuras juvenis como as do livro que lia. Putz, depois desse pulo, tenho certeza: vou com certeza passá-lo comendo brigadeiro em casa, vendo comédia romântica e chorando da trilha sonora que é tão bonitinha e deprimente. È isso que te espera, seu culhão medroso de merda.

Granado meio Bukowiski

Friday, December 14, 2007

Flores amarguradas para um sonâmbulo amargurado.

O ônibus nunca esteve tão lotado como naquela manhã. Em pé, segurando no vão onde milhares de pessoas já pousaram suas mãos, meus braços sentiam o peso da viajem de 30 minutos. Eles estavam doloridos e calejados e ainda faltavam milhas para chegar ao cemitério. Fazia de tudo para não amassar as belas rosas que catei no quintal hoje de manhã. De rompante, senti as dores de uns dedos envelhecidos me cutucarem. Era uma senhora dos seus 60 anos de idade. Levantei pesarosamente a minha cabeça de modo que os nossos tristonhos olhos se encontrassem em meio àquela multidão pavorosa. Ela só queria me fazer um questionamento:
- Por que você está chorando?, ela indagou.
Estava tão entretido com a música que ouvia no toca-fitas, devia ser “Tomorrow never knows”, que nem me dei conta de que as minhas lágrimas escorriam pelo meu rosto. Espantei-me que elas tivessem chamado atenção daquela pobre e desatenta senhora. Ninguém presta e nunca prestou atenção em mim.
- Como hoje é segunda e parou de chover, pensei em levar um ramo de rosas ao meu túmulo, respondi, meio querendo não responder.. Só deu tempo de ver no rosto dela a sensação de espanto e desespero. Voltei, de súbito, ao meu estado de apatia solitária. Certamente, nessa altura, a música já era outra.
Chovia torrencialmente há uns três dias. Lembrei-me de Macondo, do Gabriel. Dias atrás, as ruas estavam alagadas e o trânsito congestionado, vi nos noticiários. O ônibus em que estava andava a passos de cágado, o que me dava ainda mais vontade de chorar, acho. Nunca me senti tão só dentro de um ônibus tão lotado.
Aquele cenário de chuvas melodramáticas me fez lembrar do dia em que morri. Faz algum tempo que vago solitariamente por entre as ruas dessa cidade de aparência igualmente mórbida. Não sei ao certo por que e de quê morri. Só sei que um dia acordei assim, leve, psicodelicamente flutuante. Às vezes tenho a sensação de estar voando, noutros momentos volto a caminhar taciturnamente. Noutras vezes, tenho uns formigamentos que me assombram a consciência, sobretudo na cabeça. Daí seguem-se alucinações, algumas doses de paranóia, e uns drinques de medo. Nunca nessa ordem, claro.
Do dia do meu enterro, lembro que o cemitério estava frio e gélido. Minha mãe e minha irmã ajudavam a compor a paisagem inóspita e solitária daquele lugar deserto, sem árvores, varrido apenas por restos de folhas envelhecidas que voltam depois que o vento da chuva passou. Os poucos que ali estavam para assistir aos meus últimos momentos terrenos choravam copiosamente. Não sei se suas demonstrações de afeto eram verossímeis ou se não passavam de fingimentos cristãos. Cristãos costumam ser exímios mentirosos. Queria mesmo era ser cremado, no entanto, a vontade de minha mãe prevaleceu.
Desci do ônibus. Já conseguia ver no horizonte os portões enferrujados e as catacumbas envelhecidas do meu cemitério. Acendi um cigarro. Vi de soslaio umas madames caminhando pelas calçadas; creio que sem rumo, tristes, sem assunto. Dali a pouco, uns pedintes tagarelavam sorridentemente, enquanto se entretiam com uma partida de baralho e tomando umas cervejas baratas. Olhei para as rosas... elas sorriam para mim... estavam intactas.
O sol já raiava e o pórtico do cemitério reluzia convidativamente. Entrei, caminhei um pouco e parei. Lá estava o meu túmulo, envelhecido e horrendamente destruído. Sobre ele, uns passarinhos solitários cantarolavam umas canções inaudíveis. Na epígrafe, lia-se “All you need is Love”.
Senti um olhar escorregadio e gorduroso sobre os meus ombros. Acendi um cigarro. Traguei a fumaça áspera e forte, antes de olhar para trás e confirmar a impressão que tive. A senhora tristonha do ônibus estava na catacumba ao lado, despejando sobre ele o seu olhar soturno e adornando-o com flores... acho que eram margaridas e lírios. Olhava-me como se quisesse me dizer alguma coisa, me alertar, me revelar a fórmula da felicidade ou o segredo do mundo...
Traguei novamente o cigarro e senti mais uma daquelas tonturas costumeiras. Coloquei as rosas sobre o túmulo, de maneira que elas ficassem bem no centro. Olhei para o lado esquerdo e vi que ela já tinha desaparecido. Caminhei até o túmulo e tive uma surpresa. A foto no túmulo era de minha mãe, morta no dia 25 de fevereiro de 1987, ano em que nasci. Uma súbita tontura fez-me prostrar diante daquela catacumba e uma escuridão total fez-se presente. Um silêncio, uma tranqüilidade, uma beatitude misteriosa e profunda, um estado perfeito que devia ser muito parecido à morte se fazia presente. Talvez agora, pensei, vou poder descansar em paz.

Friday, September 15, 2006

A um ausente

Tenho razão para indagar.
Tenho razão para te acusar.
Rompeste o pacto da camaradagem.
Todo esse tempo de discussões aparentemente banais e de manifestações de amizade, jogaste ao desdém.
Todas as confidências e os segredos segredados.
Todos os terrenos desconhecidos pelo qual passeamos e ousamos, juntos, desbravar
Todos os intrincados questionamentos feitos.
Todas as respostas que encontramos juntos.
Todas as ironias que construímos. Que fizeste delas?
Que fizeste das explorações da nossa e da alheia obscuridade?
Sim, tenho razão para sentir saudades de ti.
Da nossa convivência em falas camaradas.
Do simples apertar de mão.
Por que te foste?
Infringiste as leis que regem a amizade; foste embora.
Sumiste, estais ausente.
Por que o fizeste?
Por tudo, mereço saber o porquê.
Saulo Marques

Thursday, September 14, 2006

Leminskização





Nada autoral. Somente admiração a um grandioso e subversivo poeta. Paulo Lemiski






um homem com uma dor é muito mais elegante
caminha assim de lado como se
chegando atrasado andasse mais adiante
carrega o peso da dor como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares ou coisa que os valha
ópios édens analgésicos não me toquem
nessa dor ela é tudo que me sobra sofrer, vai ser minha última obra

Thursday, August 10, 2006

Desassossego

Ando pelo mundo estorvado.
Estorvado dos amores platônicos
dos desejos desejados e não realizados
das utopias somente idealizadas e nada mais
daqueles que sonham solitariamente
daqueles que traem as suas utopias defendidas por anos a fio
dos olhares cansados e deprimidos
das mesmas caras, atitudes, repreensões
dos passeios sem rumo
dos caminhos a esmo
dos abismos sem fim
dos horóscopos confusos
das inquietações que não me deixam
desse mundo globalizado e complexo
dessa maldita ilusão que me prometeram
esse deus que puseram na minha cabeça sem eu pedir
esses políticos desalmados
esses pastores e padres e todo o seu discurso inverossímil
da felicidade que nunca chega
e dessa felicidade ilusória e descartável de que todos falam
de ter que dormir nos degraus da tristeza
de ter que lamentar pros outros a minha miséria atarantada
de ter que chorar pra ser visto
da televisão sempre ligada
dos livros nunca lidos
da dor que sempre exagera
do escapismo sempre recorrente
do consumismo desenfreado
das palavras que não dizem nada
das letras que estão a toa por aí, sem motivo aparente
desses párias que vagam pelo mundo sem destino
do cansaço do meu abandono
SAULO MARQUES

Tuesday, August 08, 2006

Slide - Violins

Today all the clowns are singing along
Happy songs that we once liked
Sadness will never come here again
Cause I have built the highest walls around me
Only you can bring them down
With your fond words of bliss
See that boy on that slide?
It´s me
Don´t say you miss those dirty places
Where we used to cry all night long
Where we used to kill all the gods
With a bullet of desire
Tonight all the world is singing along
Sad songs that we once liked
Happiness will never come here again
Cause I have built the highest walls around me
Only you can save me now
With your fond words of bliss
See that boy on that slide?
It´s me
Don´t say you miss those dirty places
Where we used to cry all night long
Where we used to kill all the gods
With a bullet of desire
Now I slide on people´s face
Everytime they get upset or upside down
Yes, sure we´ve been there for a long long time
All this time we went searching but we could not find light
Can´t you feel our tired embraces?
All these tear stains on our faces
Cause our hearts are dusty places...